21.9.09

Polissemia

Em sua coluna de ontem, Rosane de Oliveira bem observou que "faz um mês que o sem-terra Elton Brum da Silva foi morto a tiros na desocupação da Fazenda Southall, em São Gabriel (...)".

"Morto pelas costas, sem qualquer chance de defesa", ressaltou a colunista, que considera estranho Brigada Militar e Ministério Público manterem o nome do autor do disparo em segredo.

"Não há explicação plausível para a demora", segundo a colunista:




I. O "silêncio" institucional "sobre a morte do colono" só é capaz de impressionar quem desconhece novos jeitos de governar como o de Yeda Crusius (PSDB). O que, além do silêncio, pode se esperar de um governo acusado, pelo Ministério Público Federal, de integrar uma "societas delinquentium", e isso a fim de deliberadamente perpetrar, "continuadamente, sob diversas formas e com a máxima lucratividade possível", condutas ímprobas, num modus operandi que denota absoluto desprezo pela coisa pública e ausência de limites sobre o certo e o errado? O que esperar, além do silêncio, da
Brigada Militar e do Ministério Público Estadual, instituições aparelhadas politicamente pelo novo jeito de governar de Yeda Crusius?

O silêncio que surpreende La Vieja - e a todos aqueles comprometidos com uma mídia livre e responsável - é, na verdade, o do próprio Grupo RBS, em tese compromissado com esses valores.


Em nenhum momento o jornalismo investigativo de porta de cadeia de Zero Hora quis ir além, especificamente nesse caso do assassinato de Elton Brum da Silva pela Brigada Militar, das informações oficiais. Em nenhum momento.

Que esforço investigativo ZH fez para, por sua conta e risco, obter esclarecimentos
sobre esse assassinato? Que equipe de ZH esteve em São Gabriel a fim de reconstituir os últimos passos de vítima e assassino?

Só quem não conhece jornalismo suporia que, em menos de um dia, uma empresa com os recursos de ZH não poderia ter colhido depoimentos de agricultores sem-terra e dos próprios brigadianos, a fim de esclarecer o mistério em torno do assassinato de Elton. ZH sequer especulou sobre suspeições. Não fez o mais básico do jornalismo investigativo.


E não o fez porque é cúmplice desse silêncio institucional "denunciado" por Rosane de Oliveira, simples assim.


E isso porque, também para ZH, exatamente como afirmou o Cloaca News, Elton Brum da Silva não passa de um joão-ninguém. É só mais um vagabundo insignificante morto em confronto com a Brigada Militar.


A prova disso, além do fato de ZH ter dedicado vinte e uma matérias à investigação do assassinato de Marco Antonio Becker, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), inclusive revelando detalhes sobre a vida dos três principais suspeitos do crime? Apresentá-la é mais fácil do que demonstrar a incompetência de Yeda Crusius como governadora.

Desde o dia do assassinato de Elton, o ex-ouvidor agrário do Estado e ex-ouvidor da Secretaria de Segurança, Adão Paiani, afirma que tanto governo do estado quanto o comando da Brigada Militar já sabem o nome do oficial que efetuou o disparo que vitimou o trabalhador rural. Paiani, que teme que governo e comando da BM estejam ganhando tempo para encobrir as provas e o proteger, encontrando algum soldado que assuma o crime em seu lugar, chegou a afirmar que "se essa conta for debitada a um soldado da Brigada, eu, como filho de um soldado da Brigada, vou apontar o nome do autor do homicídio".


Estranhamente, no entanto, ZH só ouve Paiani quando se trata de legitimar a atribuição de anotações apócrifas e anônimas a integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), papel no qual o ex-ouvidor parece sentir-se muitíssimo à vontade. Em relação ao assassinato de Elton, ZH comprou, sem nenhuma resistência, o pacote que lhe apresentou o novo jeito de governar. Em nenhum momento ZH sequer se referiu à possibilidade de um oficial da BM ser o assassino de Elton Brum da Silva.

É bem verdade que ZH não tem a obrigação institucional de não silenciar, que nesse caso cabe ao governo do estado, à secretaria de segurança pública, ao comando da BM e ao Ministério Público estadual, esse último célere quando se trata de criminalizar movimentos sociais ou elogiar ações dessa mesma BM.

Porém, cabe a pergunta: pode ser considerado como fazer jornalismo sério, independente e comprometido com a verdade ter aceito, sem qualquer questionamento, a versão oficial do assassinato de Elton, principalmente se levarmos em consideração que foi produzida por um governo acusado de corrupção e questionada veementemente por um seu ex-integrante?



II. É absolutamente falsa a tese de que "não há pressão da sociedade pela divulgação do nome do rapaz", donde se seguiria, para a colunista, o "silêncio sobre a morte do colono".

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, através de seu presidente, deputado Dionilso Marcon (PT), denunciou em plenário que o assassinato de Elton Brum da Silva, pela Brigada Militar gaúcha, teria sido encomendado. A ação em São Gabriel, que culmi
nou com o assassinato do trabalhador rural, teria sido planejada, mas Elton teria sido assassinado por engano. "O sem-terra que deveria ter sido assassinado também é negro. Há uma lista de outras pessoas para serem mortas", afirmou o deputado.

Não se leu uma linha em ZH sobre tal denúncia.

A demora em tornar público o nome do autor do tiro que matou Elton também indignou o deputado Raul Pont. "Não é possível ter um sistema de segurança que compactue com o assassi
nato", frisou o deputado petista, que vê como inaceitável "a cumplicidade, a omissão e a conivência da governadora Yeda Crusius com esse episódio (...)".

Nem ZH e nem Rosane de Oliveira deram atenção ao deputado.

A Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência denunciou a tortura de crianças e o uso de armas de choque elétrico na ação da BM que resultou no assassinato de Elton. No ofício preliminar enviado ao corregedor-geral da Brigada Militar gaúcha, coronel Paulo Porto, a secretaria cobro
u que a apuração da morte de Elton fosse "rigorosa".

Não se leu uma palavra sobre isso nem em ZH e nem da coluna de Rosane de Oliveira.

Toda a blogsofera comprometida com a verdade sobre esse fato tem pressionado pela divulgação do nome do assassino, e isso desde quando ZH pensava que Elton havia sofrido um "mal súbito".

Isso tudo para sequer entramos no mérito da pressão pela divulgação do nome do assassino - ao qual, estranhamente, Rosane de Oliveira se refere como "rapaz" - realizada pelo próprio MST.

Porém, como para Rosane de Oliveira petistas, blogueiros e trabalhadores rurais são socialmente insignificantes, "não há pressão da sociedade pela divulgação do nome do rapaz".

Pressão houve e há, mas ZH jamais se interessou em a reverberar.

Talvez a abelha-rainha do colunismo político guasca esteja esperando que seu
s iguais, como Farsul e Fiergs, manifestem-se e pressionem o novo jeito de governar pela divulgação do nome do assassino.

Rosane de Oliveira leva tão a sério a tarefa de desqualificar previamente a opinião da esquerda e de movimentos sociais que esqueceu, ao defender a falsa tese de que não há pressão social pela divulgação do nome do assassino, da que ela mesma e André Machado, seu colega, exerceram sobre o novo jeito de governar.


Contradições desse tipo não implicam necessária conivência dos referidos jornalistas com a estratégia do governo, mas pelo menos dão uma boa ideia do grau de comprometimento institucional do Grupo RBS com esse silêncio, como sustentamos acima.



III. "não falta quem aplauda a violência contra os sem-terra" porque linhas editoriais como a de ZH criminalizam o movimento que os representa e encontram solo fértil na mentalidade de estância disseminada pela versão oficial da história guasca, em nome da qual lustradores de esporas de todo gênero e classe-média pilchada servilmente pegariam em armas para legitimar a propriedade de latifúndios improdutivos, mesmo que neles sejam tratados como gado.

Teses como a de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) constitui grupo armado treinado a partir de manuais com instruções de guerrilha, crença irrefletida difundida a partir de sensacionalistas, oportunistas, reducionistas e superficiais reportagens como "Cadernos de Luta do MST" e "Diários revelam estratégias do MST", tendem a alimentar tais aplausos e a legitimar o uso da violência contra os movimentos sociais.

Uma pequena amostra do quanto a criminalização do MST encontra solo fértil na servil e fascista mentalidade de estância guasca nos é fornecida pelo nível dos comentários do leitor-médio de ZH:

O termo "hipocrisia" teria descrito adequadamente a indignação manifestada ontem por Rosane de Oliveira com o silêncio institucional sobre "a morte do colono", mas mesmo assim La Vieja preferiu demonstrar o quanto ZH (i) é cúmplice desse silêncio, (ii) colaborou para que a pressão social pelo seu fim não tivesse repercussão alguma e, por fim, (iii) estimulou a mentalidade que tão bem o acolhe.

Com que autoridade moral, portanto, Rosane de Oliveira pode cobrar alguma coisa da sociedade?

Fonte: La vieja bruja

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