16.12.08

"É a RBS que governa o estado"


ENTREVISTA / CELSO TRES

Por Rafaela Mattevi e Cora Ribeiro em 16/12/2008 - Observatório da Imprensa

Publicado originalmente no jornal-laboratório Zero, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), edição de novembro 2008

Celso Tres, do Ministério Público Federal (MPF), procurador da República em Tubarão (SC), vai enfrentar o oligopólio da RBS. Em conjunto com outros procuradores no estado, ele ingressa, ainda neste ano, com uma Ação Civil Pública contra o maior grupo de comunicação social do Sul do país. "E eles ainda dizem isso com orgulho, sabendo que estão desrespeitando a lei", diz. Tres é membro do MPF desde 1997 e já trabalhou no RS, PR, DF e AP. Atuou em casos polêmicos, como na violação do painel eletrônico do Senado (2001) e na CPI dos Bingos (2005).

Na quarta-feira (10/12), o Ministério Público Federal de Santa Catarina entrou com uma Ação Civil Pública (processo nº. 2008.72.00.014043-5) contra o oligopólio da empresa Rede Brasil Sul (RBS) no Sul do Brasil. O MPF requer, entre outras providências, a diminuição do número de emissoras da empresa em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, de acordo com a lei; e a anulação da compra do jornal A Notícia, de Joinville, consumada em 2006 – que resultou no virtual monopólio da empresa em jornais de relevância no estado de Santa Catarina. O quadro geral da situação pode ser conferido a seguir, na entrevista realizada em novembro com Celso Tres, um dos procuradores que elaborou a medida judicial. [Atualizado em 17/12/2008 - 13h09min]

O Cade também é réu

Desde 2006, o MP fala em processar a RBS pela compra do jornal A Notícia. Isso vai acontecer?

Celso Tres – Sim, a ação está sendo instruída há dois anos, por meio de um Inquérito Civil Público (ICP), porque é bem complexa. Também participam vários procuradores no estado. A RBS tem uma posição totalmente dominante. No RS e em SC, são 18 emissoras de televisão, dezenas de estações de rádio, uma dezena de jornais. E a culminância disso foi quando a RBS comprou o jornal A Notícia, o que a tornou dona de todos os jornais de expressão dos dois estados.

Então, o que nós vamos discutir é essa questão do oligopólio à luz inclusive da lei que regula a ordem econômica, não é nem a lei da mídia propriamente dita. É tão grotesco isso, que nem essa lei que regula a atividade de economia em geral permite o oligopólio – obviamente, é muito menos lesivo numa sociedade você ter um oligopólio de chocolate, pasta de dente, do que ter oligopólio da mídia. Falo oligopólio, porque monopólio seria a exclusividade absoluta; mas a RBS tem posição quase totalitária.

A tendência da economia é a concentração e, por isso, certas compras de empresas têm que ser analisadas. Esse caso da RBS é um escândalo, ela governa o estado. Como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra do AN? O Cade é réu na ação porque aprovou isso.

Violação a direito difuso

O que vai ser requerido, especificamente, na ação?

C.T. – Em linhas gerais, o que o MP demanda é: primeiro, que a compra do AN seja desfeita – eles vão ter que devolver o jornal para o antigo dono ou vender para terceiros; segundo, que seja cumprida a lei que diz que eles só podem ter no máximo duas emissoras no estado, ou seja, que acabe essa farsa que é de ser tudo da mesma família; e terceiro, o que eu acho mais importante, a implementação da programação local. A Constituição Federal determinou que é obrigatória a programação local. Só que em 20 anos nunca se adequou a lei. Então, o MP está querendo que a Justiça arbitre um percentual – 30% de programação local no âmbito do estado e 15% em cada região, no mínimo.

São inúmeros réus: todas as pessoas físicas da RBS, cada "emissora", o Cade; a União, por causa do Ministério das Comunicações (MC). E o MP pede para que a Justiça estabeleça uma multa por violação a um direito difuso, em razão da omissão do poder público. A gente vai entrar com a ação nos próximos meses e a sentença em primeiro grau deve sair em um ano.

Evitar concentração

O que foi feito no Inquérito?

C.T. – O ICP não é um processo judicial, não tem contraditório, ou seja, quem é investigado não tem direito de resposta. Mesmo assim, o MP abriu pra RBS se manifestar e, inclusive, eles vieram com o mesmo discurso do Ministério da Comunicação. Eles [a RBS e o MC] se comunicaram, é uma piada. A mesma pessoa que redigiu a resposta do Ministério redigiu a da RBS, é uma coisa vergonhosa. O mesmo discurso: "Não, porque a lei diz que é a mesma pessoa física só que no caso não é." É chamar o legislador de imbecil.

Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.

Pessoa física, e não pessoa jurídica

Então o problema do oligopólio é a fiscalização?

C.T. – A nossa legislação é desacatada porque o uso da radiodifusão sempre foi um benefício político. Essa relação do poder público está tão viciada que o MC não faz absolutamente nada para reprimir esses ilícitos e o caso da RBS é muito claro.

Na última eleição [para governador], isso ficou bastante evidente. A tríplice aliança de Luiz Henrique foi com a RBS; foi uma vergonha porque no primeiro turno a RBS anunciava que não ia ter segundo turno. Daí, deu segundo turno e eles anunciaram até um dia antes da eleição dizendo que a diferença era astronômica e, no final, deu 5% de diferença entre o Amin e o Luiz Henrique. Então não há dúvida de que a RBS elegeu o Luiz Henrique. Independentemente da pressão política, isso é irrelevante para o MP. Mas qualquer inocente sabe que a massificação de alguém que está na frente arrasa, induz o povo a votar.

Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias "emissoras", em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.

Hoje, na verdade, em SC, ou você trabalha na RBS ou você está fora. Você vai estar trabalhando ou em órgãos bem pequenos, espaço de trabalho inclusive bastante reduzido, caso do que eles fizeram com o AN. As matérias são as mesmas, teve um momento assim que chegaram ao ridículo de colocar a mesma manchete, a mesma matéria.

A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família. E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.

Dizimar a concorrência

E isso não é contrato simulado, colocar tudo no nome da família inteira?

C.T. – Essa questão da titularidade é uma questão criminal, porque é uma falsidade ideológica. Isso a gente vai verificar mais tarde. O objetivo, agora, é mudar a realidade. O MC diz que não controla isso porque a RBS está em nome de terceiros. É óbvio que é irrelevante que a concessão esteja no nome de A ou B, até porque – como é o caso de Blumenau, que não está no nome da família Sirotsky – retransmitem a mesma programação, essa é a grande questão, o conteúdo.

A lei diz que ter 20% do mercado é ter posição dominante e obviamente a RBS tem isso. E essa questão tem vários aspectos: direito à informação e direito à expressão, e também a questão da publicidade. Por exemplo, o Diarinho de Itajaí, o que a RBS faz com os caras? Na Rede Angeloni, faz contratos publicitários, impedindo que o supermercado coloque lá o Diarinho para os caras venderem. Então não existe concorrência, acabou. A concorrência é dizimada. Na Grande Florianópolis, eles lançaram o jornal A Hora a R$ 0,25, o que é claramente um preço inferior ao de custo, pra dizimar com a concorrência. Essas são as práticas deles.

Executivo subalterno

Existe solução?

C.T. – A questão é permitir a multiplicidade. A rede pública de televisão, com a criação da TV Brasil, poderia ter sido uma saída, mas o governo fez tudo errado. O correto seria que o Estado disponibilizasse canais, não adianta tentar produzir programação.

Seria fácil: criar 30 canais de TV para serem disponibilizados à população. Depois seria só colocar retransmissoras públicas nos centros urbanos, para os canais transmitirem programação independente. Uma medida simples, percebe? Bastava criar os canais e construir as retransmissoras. É uma questão tecnológica e de vontade política.

Custaria muito mais barato do que o governo tentar produzir programação e todos teriam oportunidade de fazer sua produção. O governo faria as retransmissoras, pura e simplesmente. Seria uma revolução na comunicação. A mídia, em pouco tempo, mudaria porque, com uma multiplicidade de canais, o canal com maior audiência chegaria a 15%, 10%, como é nos EUA, que é o correto.

Certamente se o governo viesse "Ah, vamos fazer aplicar a lei das duas emissoras", eles iam dizer, "Não! É uma lei da ditadura! O Lula é o Chávez." É uma besteira. O que diz a lei? Cada cidadão tem que ter um número x de canais, essa é a meta. Podia botar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) isso aí. É uma questão econômica, direitos individuais, gera muito emprego, oportunidades, veiculação comercial; atingiria em cheio a própria economia.

O principal modo de democratizar não seria combater o monopólio e o oligopólio?

C.T. – O primeiro passo seria esse, mas, como eu falei, os órgãos do executivo são muito subalternos e também a RBS pode virar o governo. Qual a finalidade de um deputado federal que vai lá propor uma legislação mais rígida para isso? Se é um deputado de SC, a RBS vai fazer algumas reportagens contra o cara e ele está acabado. O cara não se reelege mais.

Você já foi ameaçado?

C.T. – Não, por isso não.

9.12.08

Sobre paranóias

A chamada abaixo ficou quase uma hora no ar, no sítio da Zero Hora, remetendo para a matéria que trata da liberação de verbas do governo federal para a construção do Hospital Regional de Santa Maria:

Pelo convênio assinado entre os governos estadual e federal, o Ministério da Saúde vai investir R$ 19,18 milhões na construção do hospital. Serão 277 leitos, 60 deles exclusivos para uma unidade de reabilitação física semelhante às da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. A contrapartida do estado será de R$ 3,83 milhões.

A chamada privilegiava o nome da governadora, em detrimento do representante do governo federal. No título da matéria, o mesmo problema:
Só depois de quase uma hora ZH passou a estampar a seguinte chamada - que, durante um bom tempo, não remetia à matéria alguma -, dessa feita fazendo menção indireta ao ministro da saúde, José Gomes Temporão:

Problemas técnicos ou paranóia?
Fonte: La vieja bruja
_______________
Nem um, nem outro: trata-se de mistificação, manipulação de dados para favorecer a Governadora Yeda Crusius, criação de subjetividade favorável a ela, jornalismo chapa-branca.

5.12.08

Sobre suspeitos e criminosos

A justiça concedeu liberdade provisória a Rodrigo Godoy Bandaz, 27 anos, Eduardo Adriano Villodre, 28, e Bruno Ortiz Porto, 23, presos preventivamente semana passada em uma operação do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). O juiz Felipe Keunecke de Oliveira não viu provas suficientes da suposta participação desses torcedores na tentativa de homicídio de Lucas Ballardin, 19, e Marçal Santos, 30, no último dia 16.

Responderão em liberdade, portanto, às prováveis acusações de formação de quadrilha, dupla tentativa de homicídio por motivo torpe e preconceito racial.

Na cobertura da saída de Bruno, Rodrigo e Eduardo do Presídio Central, Zero Hora a eles se referiu através dos termos "torcedores" e "suspeitos".


ZH os tratou, portanto, como cidadãos. Nomeá-los e a eles se referir através de termos que designam adeqüadamente uma suposta conduta é resguardar a cidadania, um dos conceitos mais caros à nossa Carta Máxima. "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", nos diz a Constituição Federal (Art. 5º, LVII).

Tal tratamento, no entanto, não é comum nas páginas de ZH.
Ao "homem de 25 anos" ontem capturado por populares, por exemplo, ZH se refere através dos termos "assaltante" e "criminoso".




"Mas ele foi contido logo após o assalto", dirão.

Sim, é certo que foi.

Mas, questiona La Vieja, ele foi condenado? Há sentença penal condenatória transitada em julgado?

Não, não há. Sequer há um inquérito, ainda. E, mais ainda, nenhuma autoridade afirmou publicamente que ele será indiciado pela prática do crime que lhe foi atribuído.

Mas, se nenhuma autoridade fez essa afirmação, por que ZH a ele se referiu através dos termos "assaltante" e "criminoso", enquanto se referiu a Bruno, Eduardo e Rodrigo, - que provavelmente serão indiciados por formação de quadrilha, dupla tentativa de homicídio por motivo torpe e preconceito racial - , através dos termos "torcedores" e "suspeitos"? Se não há sentença penal condenatória transitada em julgado em nenhum dos casos, todos não deveriam ser tratados como "suspeitos"?

ZH sequer se deu ao trabalho de descobrir o nome do "homem de 25 anos" contido por populares.

Por qual motivo, então, se preocuparia com sua cidadania?

A foto publicada por ZH, embora não revele seu rosto, o expõe de uma maneira brutal, para o enlevo de seu leitor-médio. Para esse leitor, também o sistema penal deve ser eminentemente punitivo.

Todavia, a vingança gratuita é uma falsa catarse. Não há purificação alguma. Ficam mais interrogações do que respostas.

Como também fica sem resposta o porquê de não haver nenhuma foto dos suspeitos Bruno, Eduardo e Rodrigo nas páginas de ZH, em nenhuma matéria que tratou do incidente no qual os três supostamente estão envolvidos.

Embora ZH tenha acompanhado tanto a operação que resultou na prisão dos três suspeitos quanto o momento em que deixaram o presídio.

Pelo visto, alguns suspeitos são mais iguais do que outros.
Fonte: La Vieja Bruja