4.11.09

Com quem fala a RBS?

Por Ayrton Centeno

Um aviso: as linhas abaixo não carregam uma resposta para a pergunta acima. Neste balcão temos perplexidades em oferta mas estamos em falta de respostas nos estoques. Este monólogo aqui, antes de virar texto, começou com a pergunta do título depois que o autor andou observando o retorno diário do leitorado de Zero Hora.

Se ZH fala mesmo é com aquela turma que fala com ela está muito mal arranjada. O tom predominante das cartas dos leitores aninhadas na página 2, algumas graciosamente enfeitadas com a foto do autor, é de uma intolerância caricatural. Lula é o grande malfeitor de suas vidas, tarefa na qual é ajudado por Chávez, Evo, Zelaya, o PT, os movimentos sociais. Enfurecem-se com as cotas raciais, a olimpíada no Rio, a bolsa-família, a copa do mundo, o Cpers, os direitos humanos, as obras do PAC, a aprovação do presidente, o Enem, a crise que virou marolinha. Parecem digitar com agulhas – enfiadas pelo MST – sob suas unhas.

O resultado é um poço de ressentimentos, uma gororoba caldeada em desinformação, mesquinhez e preconceito. Talvez isto seja irrelevante. São, afinal, os leitores exercendo seu sacrossanto direito de dizer o que pensam ao diário que lhes dá o que pensar. Mas é também a safra que o jornal dos Sirotsky colhe a cada dia. E só se colhe o que se semeia. E o problema, para ZH, começa aí. Todas as sondagens, de todos os institutos, dizem que Lula é extremamente popular. E quem o detesta ou detesta seu governo não chega aos dois dígitos, rondando os 8%. Logo, o diálogo mais harmonioso de ZH ocorre com os leitores deste perfil. Porque será que os 92% restantes não se dispõem tanto a dar seu pitaco na seção de cartas? Tem mais o que fazer? Não lêem mais o jornal? São perguntas perturbadoras para quem adota o slogan “a vida por todos os lados” e que precisa, muito, de leitores, prato predileto dos anunciantes.

Na mesma toada, um episódio singular envolvendo outro veículo do grupo deveria, ao menos, provocar pruridos nas polpas de quem se senta no trono do poder midiático. Soube que, no programa Conversas Cruzadas, da TVCom, perguntou-se aos telespectadores se se identificavam mais com políticos de direita, de centro ou de esquerda. Deu direita com 45%, seguida pelo centro com 30% e a esquerda na rabeira com 25%. É um percentual notável quando se sabe que, no Brasil, a direita é a paixão que não ousa dizer o seu nome. Está fechada por dentro no próprio bunker. Ninguém assume a direita ao ponto de partidos de direita ou centro-direita afirmarem-se “progressistas”, “democratas”, “social-democratas” ou até “socialistas”… Porém quase a metade da audiência que interagiu arrojou-se nesta audácia mesmo que anônima.

Claro que, aqui também, é uma colheita, induzida pelo esforço histórico da pauta de CC&Lasier. É, de novo, a RBS levando um papo com a patota dos 8%. É de ficar matutando o que passa pela cabeça de quem decide essas coisas na corporação. Será que acha bom? Ou desconfia que estes dois indicativos não são tão desejáveis? De qualquer jeito, a RBS não pode ignorar que desperta amores brutos. Para tirar proveito da situação poderia explorar este nicho e lucrar algum - que é o que interessa. Consta que foi Noam Chomsky quem redefiniu o negócio da imprensa na era dos mercados. Seu produto não é a venda de informações aos leitores mas a venda dos leitores aos anunciantes. Casando o útil com o desagradável, a RBS poderia persuadir seus anunciantes a vender aos seus leitores - aqueles mais interativos - antiácidos, antidepressivos, talvez escopetas.



Fonte: RSurgente

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