8.10.08

Parte 2: De como aprender a amar Yeda

Ayrton Centeno para RSurgente
7 de julho de 2008
Embora às voltas com Laíres e Culaus e ouvindo seu vice pedir a abertura de uma nova CPI para investigar o Banrisul, Yeda teve mais manchetes positivas em Zero Hora que o governo Lula.

O que diriam Zero Hora e seus pares se o vice-presidente José Alencar gravasse uma proposta indecente da ministra Dilma Roussef, acompanhada do detalhamento de como funciona a pilhagem no coração do governo, citando partidos beneficiados e estatais extorquidas? E se Alencar não apenas gravasse o tête-à-tête com a chefia da Casa Civil como o levasse a uma CPI? E o diálogo escabroso, quase imediatamente, se tornasse público? O Armagedom seria uma figura pálida para descrever os dias, meses e anos que se seguiriam.

Pois na província do Rio Grande de São Pedro foi isto o que aconteceu. Ocorre que, nesta terra, os jornais são os mesmos, mas o governo é outro. E isto faz toda a diferença. No ano da graça de 2008, as trombetas do Apocalipse soaram para o governo Yeda Crusius. Porém, nas páginas de ZH, não reverberaram tanto quanto poderia se esperar de um jornal que promete “a vida por todos os lados”. É o que aponta a última “pesquisa” - assim, entre aspas, para não se dar a idéia de uma pretensão de ciência que não se tem e nem se poderia ter – sobre as manchetes de capa do diário. Em abril, publicou-se o primeiro levantamento do gênero abrangendo uma avaliação do primeiro trimestre. Agora é a vez do semestre.

Apenas para recordar: a “pesquisa” descarta as manchetes ditas neutras – as que tratam de assuntos de cidade, ciência e tecnologia, festas, polícia, trânsito, esporte, tragédias, meteorologia, turismo, marketing próprio etc. Retém somente as manchetes políticas, que abordam ações ou omissões das várias instâncias do Executivo e de seus aliados. Estas são as que interessam. São elas que, mesmo lidas num relance, ajudam a construir e destruir, simbolicamente, personagens, propostas e políticas. Procura-se então classificá-las conforme facilitem ou atrapalhem a vida deste ou daquele governo, de suas políticas e de suas alianças. Como ZH não gasta sua beleza com Porto Alegre, a esfera municipal, com suas mazelas ou virtudes, quase nunca ganha a capa. O cotejo acontece então, basicamente, entre as administrações estadual e federal e as leituras que são oferecidas do Rio Grande do Sul sob Yeda e do Brasil sob Lula.

É assim que, nos seis primeiros meses do ano, ZH reservou 32,5% de suas manchetes de capa políticas para abordagens negativas relacionadas ao Governo Lula, suas políticas e suas alianças – no parlamento ou na sociedade - além do Brasil. E reservou somente 8,5% delas para enfoques positivos, percentual praticamente quatro vezes menor. O Governo Yeda, seus aliados, suas políticas e o Rio Grande receberam 31,3% de manchetes de capa favoráveis e 27,7% desfavoráveis. Um lucro de 3,6%. Nada mau se considerarmos que, em 2008, por obra da política – e não da física – o Rio Grande subverteu sua própria matéria, transitando do estado sólido ao gasoso. Nada mau para a gestora desta política que, aliás, já jogou ao mar boa parte do primeiro escalão no esforço de salvar a pele. Como os dois partidos que encabeçam uma e outra gestão polarizam a disputa eleitoral no país, é possível dizer que quase dois terços (63,8%) das manchetes de capa políticas no semestre favoreceram Yeda/aliados/políticas/Estado e desfavoreceram Lula/aliados/políticas/país.

Nada de novo sob o Sol. Este é o modus operandi da mídia, através dos processos de ocultação ou exposição. As palavras e o papel nem sempre cultivam uma relação amistosa com os fatos e a vida. Veja-se o caso de maio. Naquele mês, goste-se ou não, ocorreram algumas conquistas importantes para o Governo Lula e o Brasil além de qualquer subjetivismo: o avanço do emprego com carteira assinada escalou novo recorde; o volume de negócios na Bolsa de Valores de São Paulo atingiu patamares inéditos; a Petrobrás ultrapassou a Microsoft, tornando-se a terceira maior empresa das Américas; as vendas deram um salto no Dia das Mães, deixando os lojistas com a boca nas orelhas; a ministra Dilma sovou a oposição e sepultou a CPI dos Cartões; e a popularidade de Lula, segundo todos os institutos de pesquisa, bateu nos cornos da Lua.

Nada disso foi manchete de capa. Apenas a conquista (01/05) do investment grade. Em suma, o mundo real reservou boas notícias para o governo federal e o país. No entanto, vista através das lentes de ZH, esta mesma realidade transmutou-se no seu exato inverso. ZH obsequiou o Governo Lula, suas alianças, suas políticas e a agenda do Brasil com 43,7% das manchetes de capa negativas. E somente 6,2% das positivas. Embora às voltas com Laíres e Culaus e ouvindo seu vice pedir a abertura de uma nova CPI para investigar o Banrisul, Yeda teve sorte melhor. Seu governo, seus aliados, suas políticas e o Rio Grande receberam 37,5% das manchetes negativas e 12,5% das positivas...

É verdade que Yeda não viajou em céu de brigadeiro nas últimas semanas. Para quem foi acarinhada com 40% das manchetes políticas favoráveis de ZH no primeiro trimestre (apenas 12,5% das contrárias), junho foi um mês complicado para a governadora até no jornal dos Sirotsky. Foram apenas 22,7% manchetes favoráveis contra 40,9% negativas. Também pudera: pode-se duvidar da RBS, mas não de seu senso de sobrevivência...

Mas junho até que começou bem para a governadora. As primeiras capas foram de pura desconversa. ZH deu-se ao direito até, no dia 4, de apresentar uma manchete tão glacial (“Avança plano de transferir presos e demolir o Central”) que nela se poderia embrulhar um linguado e mantê-lo em perfeito estado de conservação por, no mínimo, três meses. Manchete, aliás, que remetia a apenas uma página de texto. Na mesma edição, a redação produzira três páginas com a revelação dos diálogos gravados pela PF, que desmascarou uma enfiada de patranhas ditas na CPI do Detran. Não foi suficiente para galgar a condição de principal fato da capa. Mas o dia seguinte seria notável: 133 edições após a manchete inaugural sobre a esbórnia do Detran, pela primeira vez ZH pespegaria o nome da governadora no principal título da capa sobre o escândalo (“Escutas convencem CPI a convocar o secretário de Governo de Yeda”).

No dia 7, o cataclisma: “Diálogo gravado por Feijó abala o Piratini”. No day after das busatices e feijoladas, é impossível sair da pauta: “Sucessão de crises força Yeda a repensar governo”. No terceiro dia, uma baixada de bola: “Após atrito com aliados, Yeda prefere PSDB no comando da Casa Civil”. Aqui, ZH adota um tom de “recomeço”, e traduz o caos chamado Yeda por “atritos”. No quarto dia – bingo! -- a governadora está governando: “Yeda anuncia gabinete de transição e pente-fino em estatais sob suspeita” (10/06). Não se fala mais sequer em “atritos”. O enfoque é de que Yeda vive, está ativa e tomando providências, plasmado em um título que a assessoria de imprensa do Palácio Piratini teria dificuldades intransponíveis para tornar mais oficial. O gabinete de transição - redigido sem aspas! - é apresentado de modo acrítico, como se não fosse o refulgente factóide que corporifica. No quinto dia, Yeda some da manchete de capa, que se volta para o Tribunal de Contas. E no sexto dia, um velho e bom lombo para bater: “Câmara aprova a volta do imposto do cheque”.

Assim, em seis dias, mesmo tempo que Deus empregou para criar o mundo segundo a Bíblia, ZH recriou uma governadora e um governo. Como um espelho mágico que distorce e doura a percepção das coisas, opera para proteger ambos – e a seus leitores, aqueles que são “donos de um jornal” - desta entidade horrenda chamada Realidade dos Fatos. Yeda volta então ao seu reino encantado, situado em uma galáxia perdida no cosmos, onde sempre conviveu harmoniosamente com elfos, duendes, ninfas, miragens, espectros e, pelo que se descobriu, ogros.

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