12.10.09

O filósofo de ZH e o marxismo-kardecismo





O "jornalismo" sem nenhum caráter

No afã de transformar o diário mais agradável aos seus leitores (que internamente são chamados de "consumidores"), o jornal Zero Hora pouco a pouco se transforma numa vasta colagem de retalhos representativos do mundo de fantasia que quer espelhar diariamente. Assim, o conceito "jornal" é desfigurado em favor de uma revista de variedades, sem nenhum caráter. Como não existem leitores, existem consumidores, justifica-se que a revista ZH prescinda de identidade. Afinal, se trata de operar - de forma acelerada - uma inversão no velho paradigma da imprensa nascida do Iluminismo: ao invés de levar informação ao cidadão, se entrega o cidadão ao anunciante. A revista-colagem ZH (e não mais o jornal ZH) capta o consumidor (ex-cidadão) e o entrega acrítico e alienado de direitos ao anunciante comprador dos espaços comerciais no falso jornal.

Isto posto, agora vale tudo, ZH passa a ser um painel de frívolas escolhas, sem a "chatice" dos temas da cidadania: cães, gatos, periquitos, mascotes em geral, o maravilhoso mundo das formaturas, carros & motos, esportes patrocinados, caderno Donna, o mundo feminino pré-feminismo, que este é muito desinteressante e nenhuma mulher entende direito (algumas até associam a lesbianismo), o turismo narcísico da classe média embotada ("Horror, fomos a Havana e não encontramos Big Mac!"), caderno de decoração de ambientes (suporte comercial de pseudo-bom gosto anexado à especulação imobiliária mais selvagem) etcetera.

Nos intervalos, para representar que ainda se trata de um jornal na acepção original da palavra e do conceito, ZH estampa informações cotidianas, breves reportagens de textos duvidosos e conteúdos políticos barrados com a manteiga rançosa da ideologia, que não consegue esconder a sua filiação ao atraso e ao conservadorismo mais desavergonhado. Na página dedicada aos dois editoriais diários, o jornal-colagem adota textos remetidos por leitores (a busca da "interatividade" a qualquer custo). Mais de 90% destes pequenos artigos, opiniões do momento, são pura simulação do debate, não conseguem expressar pensamento algum, autoreferências unipessoais e particulares, reproduções do senso comum, o plural falsificado, o eco do unidimensional rebaixado em sintaxe sofrível, enfim, a tagarelice heideggeriana.

Hoje, segunda-feira, há o texto de um sujeito que se identifica como "filósofo" (está lá na página 18, edição de hoje, fac-símile parcial acima). Uma mixórdia sem pé nem cabeça, com o agravante de considerar Karl Marx (1818-1883) como capaz de escrever psicografias através de algum médium kardecista. Para o nosso filósofo de ZH, "a expressão 'ditadura do proletariado' foi utilizada pela primeira vez por Marx em 1890". Ou seja, em 1890 - quase sete anos depois de sua morte - Marx utilizou a expressão pela primeira vez. Certamente, deduz-se, que Marx siga utilizando a expressão "ditadura do proletariado" até os nossos dias, já que os espíritos desencarnados - segundo Kardec - desconhecem as barreiras entre a vida e a morte.

A todas essas, agora dá para suspeitar o motivo de ZH ter introduzido um pequeno box nas matérias que considera mais complexas, denominado "Para seu filho entender". Recurso improvisado, disfarce para que os "filósofos de ZH" e os "turistas acidentais" - do tipo que deseja comer Big Mac em Havana - não fiquem boiando nos fatos corriqueiros do nosso abastardado cotidiano midiático.



Fonte: Diário Gauche

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