29.4.09

Elaine Tavares: A RBS no banco dos réus

A RBS no banco dos réus

Por Elaine Tavares – jornalista

O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina realizou no dia 28 de abril de 2009 uma discussão histórica, colocando no banco dos réus o oligopólio da Rede Brasil Sul, a RBS. Mas, esta proposta de transformar a maior rede de comunicação do sul do país em ré comum não foi privilégio da direção do sindicato, portanto a ela não se pode reputar nenhuma intenção ideológica. O responsável por esta façanha é o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em Santa Catarina, Celso Antônio Três, que apresentou uma ação civil pública ao Ministério Público Federal contra a empresa dos Sirotski, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a União.

Baseado exclusivamente na letra fria da lei, o procurador apela para a tutela dos direitos de informação e expressão do cidadão, a pluralidade, que é premissa básica do Estado democrático e de Direito. Com base nisso ele denuncia e exige providências contra o oligopólio da mídia sustentado pela RBS no Estado de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Segundo Três, é comprovada documentalmente a posse de 18 emissoras de televisão aberta, duas emissoras por cabo, oito jornais diários, 26 emissoras de rádio, dois portais na internet, uma editora e uma gravadora. Ele lembra ainda que o faturamento do grupo em 2006 chegou a 825 milhões de reais, com um lucro líquido de 93 milhões, tudo isso baseado no domínio da mente das populações do sul que atualmente não tem possibilidade de receber uma informação plural. Praticamente tudo o que se vê, ouve ou lê nos dois estados do sul vem da RBS.

No debate realizado pelo SJSC o procurador insistiu que filosoficamente ser é ser percebido e isso é o que faz a mídia, torna visível aqueles que ela considera “ser”. Os pobres, os excluídos do sistema, os lutadores sociais, toda essa gente fica de fora porque não pode ser mostrada como ser construtor de mundos. Celso Três afirma que na atualidade o estado é puro espetáculo enquanto o cidadão assume o posto de espectador. Nesse contexto a mídia passa a ser o receptor deste espetáculo diário, ainda que não tenha a menor consistência. “Nós vivemos uma histeria diária provocada pela mídia e o país atua sob a batuta desta histeria”.

No caso de Santa Catarina o mais grave é que esta histeria é provocada por um único grupo, que detém o controle das emissoras de TV e dos jornais de circulação estadual. Não há concorrência para a RBS e quando ela aparece é sumariamente derrotada através de ações ilegais como o “dumping”, como o que aconteceu na capital, Florianópolis, quando da abertura do jornal Notícias do Dia, um periódico de formato popular com um preço de 0,50 centavos. Imediatamente a RBS reagiu colocando nas bancas um jornal igual, ao preço de 0,25 centavos. Não bastasse isso a RBS mantêm cativas empresas de toda a ordem exigindo delas exclusividade nos anúncios, incorrendo assim em crime contra a ordem econômica.

Sobre isso a lei é muito clara. Desde 1967 que é terminantemente proibido um empresa ter mais que duas emissoras de TV por estado. A RBS tem mais de uma dezena. A Constituição de 1988 determina que a comunicação não pode ser objeto de oligopólio. Pois em Santa Catarina é. Segundo Três, na formação acionária das empresas existem “mais de 300 Sirotski” , portanto não há como negar que esta família controle as empresas como quis fazer crer o Ministério das Comunicações, também réu na ação. “Eles alegaram que a RBS não existe, é um nome de fantasia para empresas de vários donos. Ora, isso é mentira. Os donos são os mesmos: os Sirotski”.

O procurador alega que a lei no Brasil, no que diz respeito a porcentagem de produção local que deve ter um empresa, nunca foi regulamentada, mas não é por conta da inoperância do legislativo que a Justiça não pode agir. “Nós acabamos utilizando a lei que trata do mercado de chocolate, cerveja, etc. Nesta lei, uma empresa não pode controlar mais que 20% do mercado. Ora, em Santa Catarina, a RBS controla quase 100% da informação”.

Aprofundando o debate sobre a ação oligopólica da RBS, Danilo Carneiro, estudioso do sistema capitalista e membro do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, deu uma aula sobre a formação do sistema capitalista e mostrou como atualmente o capitalismo já não consegue mais reproduzir a vida, tamanha a sua dominação sobre a vida das pessoas e sua sanha por lucros. Desde as cidades-estado italianas, onde o comércio impulsiona a acumulação de lucros, até os dias de hoje a consolidação do capitalismo está ligada à exploração dos trabalhadores e da natureza. Para que isso aconteça é necessário manter as gentes em estado permanente de alienação e aí entram os Meios de Comunicação de Massa. Não é à toa, portanto, que instituições governamentais como o CADE e o Ministério das Comunicações façam vistas grossas ao oligopólio da RBS assim como da Globo. Tudo faz parte da manutenção do sistema.

Sobre a ação na Justiça contra a RBS, Danilo lembrou que hoje no Brasil existem mais de 60 milhões de ações em andamento e isso por si só já dá um panorama do que pode acontecer. Sem uma mobilização política efetiva das entidades e do povo catarinense, essa ação pode se perder no sumidouro da Justiça brasileira.

Na platéia do debate um público muito representativo do movimento social de Florianópolis, tais como representantes do Diretório Central dos Estudantes da UFSC, da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (UFECO), Sindicato dos Previdenciários (SINDPREVS), Sindicato dos Eletricitários (SINERGIA), jornalistas, estudantes, professores. Cada um deles compreendeu que à corajosa atitude do procurador Celso Três, devem se somar ações políticas e de acompanhamento da ação. O Sindicato dos Jornalistas deve se colocar como assistente do Ministério Público, abastecendo-o com informações e as demais entidades vão difundir as notícias e fazer a pressão necessária para o andamento da ação.

Conforme bem lembra Celso Três, esta não é uma ação voluntarista ou ideológica, ela é objetiva e se fundamente na lei maior. Oligopólios são proibidos e as populações de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul tem direitos a uma informação plural e diversificada. Não há amparo legal para a propriedade cruzada, o pensamento único e muito menos para a dominação econômica.

Na senda da fala de Danilo Carneiro, que deixou claro que sob a ditadura do capital é impossível a democratização da comunicação, também assomou entre os presentes a necessidade da discussão e da luta por outra comunicação e outro estado que não esse no qual imperam as relações de dominação. Agora é ficar atento e aprofundar a luta. Sem isso, não anda a ação, e tampouco acontecem mudanças estruturais.

Fonte: Viomundo

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http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=516DAC002


ENTREVISTA / CELSO TRES
"É a RBS que governa o estado"

Por Rafaela Mattevi e Cora Ribeiro em 16/12/2008

Publicado originalmente no jornal-laboratório Zero, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), edição de novembro 2008

Na quarta-feira (10/12), o Ministério Público Federal de Santa Catarina entrou com uma Ação Civil Pública (processo nº. 2008.72.00.014043-5) contra o oligopólio da empresa Rede Brasil Sul (RBS) no Sul do Brasil. O MPF requer, entre outras providências, a diminuição do número de emissoras da empresa em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, de acordo com a lei; e a anulação da compra do jornal A Notícia, de Joinville, consumada em 2006 – que resultou no virtual monopólio da empresa em jornais de relevância no estado de Santa Catarina. O quadro geral da situação pode ser conferido a seguir, na entrevista realizada em novembro com Celso Tres, um dos procuradores que elaborou a medida judicial.

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O Cade também é réu

Desde 2006, o MP fala em processar a RBS pela compra do jornal A Notícia. Isso vai acontecer?

Celso Tres – Sim, a ação está sendo instruída há dois anos, por meio de um Inquérito Civil Público (ICP), porque é bem complexa. Também participam vários procuradores no estado. A RBS tem uma posição totalmente dominante. No RS e em SC, são 18 emissoras de televisão, dezenas de estações de rádio, uma dezena de jornais. E a culminância disso foi quando a RBS comprou o jornal A Notícia, o que a tornou dona de todos os jornais de expressão dos dois estados.

Então, o que nós vamos discutir é essa questão do oligopólio à luz inclusive da lei que regula a ordem econômica, não é nem a lei da mídia propriamente dita. É tão grotesco isso, que nem essa lei que regula a atividade de economia em geral permite o oligopólio – obviamente, é muito menos lesivo numa sociedade você ter um oligopólio de chocolate, pasta de dente, do que ter oligopólio da mídia. Falo oligopólio, porque monopólio seria a exclusividade absoluta; mas a RBS tem posição quase totalitária.

A tendência da economia é a concentração e, por isso, certas compras de empresas têm que ser analisadas. Esse caso da RBS é um escândalo, ela governa o estado. Como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra do AN? O Cade é réu na ação porque aprovou isso.

Violação a direito difuso

O que vai ser requerido, especificamente, na ação?

C.T. – Em linhas gerais, o que o MP demanda é: primeiro, que a compra do AN seja desfeita – eles vão ter que devolver o jornal para o antigo dono ou vender para terceiros; segundo, que seja cumprida a lei que diz que eles só podem ter no máximo duas emissoras no estado, ou seja, que acabe essa farsa que é de ser tudo da mesma família; e terceiro, o que eu acho mais importante, a implementação da programação local. A Constituição Federal determinou que é obrigatória a programação local. Só que em 20 anos nunca se adequou a lei. Então, o MP está querendo que a Justiça arbitre um percentual – 30% de programação local no âmbito do estado e 15% em cada região, no mínimo.

São inúmeros réus: todas as pessoas físicas da RBS, cada "emissora", o Cade; a União, por causa do Ministério das Comunicações (MC). E o MP pede para que a Justiça estabeleça uma multa por violação a um direito difuso, em razão da omissão do poder público. A gente vai entrar com a ação nos próximos meses e a sentença em primeiro grau deve sair em um ano.

Evitar concentração

O que foi feito no Inquérito?

C.T. – O ICP não é um processo judicial, não tem contraditório, ou seja, quem é investigado não tem direito de resposta. Mesmo assim, o MP abriu pra RBS se manifestar e, inclusive, eles vieram com o mesmo discurso do Ministério da Comunicação. Eles [a RBS e o MC] se comunicaram, é uma piada. A mesma pessoa que redigiu a resposta do Ministério redigiu a da RBS, é uma coisa vergonhosa. O mesmo discurso: "Não, porque a lei diz que é a mesma pessoa física só que no caso não é." É chamar o legislador de imbecil.

Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.

Pessoa física, e não pessoa jurídica

Então o problema do oligopólio é a fiscalização?

C.T. – A nossa legislação é desacatada porque o uso da radiodifusão sempre foi um benefício político. Essa relação do poder público está tão viciada que o MC não faz absolutamente nada para reprimir esses ilícitos e o caso da RBS é muito claro.

Na última eleição [para governador], isso ficou bastante evidente. A tríplice aliança de Luiz Henrique foi com a RBS; foi uma vergonha porque no primeiro turno a RBS anunciava que não ia ter segundo turno. Daí, deu segundo turno e eles anunciaram até um dia antes da eleição dizendo que a diferença era astronômica e, no final, deu 5% de diferença entre o Amin e o Luiz Henrique. Então não há dúvida de que a RBS elegeu o Luiz Henrique. Independentemente da pressão política, isso é irrelevante para o MP. Mas qualquer inocente sabe que a massificação de alguém que está na frente arrasa, induz o povo a votar.

Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias "emissoras", em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.

Hoje, na verdade, em SC, ou você trabalha na RBS ou você está fora. Você vai estar trabalhando ou em órgãos bem pequenos, espaço de trabalho inclusive bastante reduzido, caso do que eles fizeram com o AN. As matérias são as mesmas, teve um momento assim que chegaram ao ridículo de colocar a mesma manchete, a mesma matéria.

A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família. E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.

Dizimar a concorrência

E isso não é contrato simulado, colocar tudo no nome da família inteira?

C.T. – Essa questão da titularidade é uma questão criminal, porque é uma falsidade ideológica. Isso a gente vai verificar mais tarde. O objetivo, agora, é mudar a realidade. O MC diz que não controla isso porque a RBS está em nome de terceiros. É óbvio que é irrelevante que a concessão esteja no nome de A ou B, até porque – como é o caso de Blumenau, que não está no nome da família Sirotsky – retransmitem a mesma programação, essa é a grande questão, o conteúdo.

A lei diz que ter 20% do mercado é ter posição dominante e obviamente a RBS tem isso. E essa questão tem vários aspectos: direito à informação e direito à expressão, e também a questão da publicidade. Por exemplo, o Diarinho de Itajaí, o que a RBS faz com os caras? Na Rede Angeloni, faz contratos publicitários, impedindo que o supermercado coloque lá o Diarinho para os caras venderem. Então não existe concorrência, acabou. A concorrência é dizimada. Na Grande Florianópolis, eles lançaram o jornal A Hora a R$ 0,25, o que é claramente um preço inferior ao de custo, pra dizimar com a concorrência. Essas são as práticas deles.

Executivo subalterno

Existe solução?

C.T. – A questão é permitir a multiplicidade. A rede pública de televisão, com a criação da TV Brasil, poderia ter sido uma saída, mas o governo fez tudo errado. O correto seria que o Estado disponibilizasse canais, não adianta tentar produzir programação.

Seria fácil: criar 30 canais de TV para serem disponibilizados à população. Depois seria só colocar retransmissoras públicas nos centros urbanos, para os canais transmitirem programação independente. Uma medida simples, percebe? Bastava criar os canais e construir as retransmissoras. É uma questão tecnológica e de vontade política.

Custaria muito mais barato do que o governo tentar produzir programação e todos teriam oportunidade de fazer sua produção. O governo faria as retransmissoras, pura e simplesmente. Seria uma revolução na comunicação. A mídia, em pouco tempo, mudaria porque, com uma multiplicidade de canais, o canal com maior audiência chegaria a 15%, 10%, como é nos EUA, que é o correto.

Certamente se o governo viesse "Ah, vamos fazer aplicar a lei das duas emissoras", eles iam dizer, "Não! É uma lei da ditadura! O Lula é o Chávez." É uma besteira. O que diz a lei? Cada cidadão tem que ter um número x de canais, essa é a meta. Podia botar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) isso aí. É uma questão econômica, direitos individuais, gera muito emprego, oportunidades, veiculação comercial; atingiria em cheio a própria economia.

O principal modo de democratizar não seria combater o monopólio e o oligopólio?

C.T. – O primeiro passo seria esse, mas, como eu falei, os órgãos do executivo são muito subalternos e também a RBS pode virar o governo. Qual a finalidade de um deputado federal que vai lá propor uma legislação mais rígida para isso? Se é um deputado de SC, a RBS vai fazer algumas reportagens contra o cara e ele está acabado. O cara não se reelege mais.

Você já foi ameaçado?

C.T. – Não, por isso não.

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