25.7.09

Forças naturais do barulho



Há um grande problema com a tese - assumida publicamente pelo jornal Zero Hora e brilhantemente pulverizada por Cristóvão Feil - de que a "fragilidade estrutural" do Detran/RS "ajuda a explicar por que" seus presidentes "não duram muito tempo no cargo".

Pelo menos dois deles não duraram muito porque foram alvos da Operação Rodin, que investigou o desvio de mais de R$ 40 milhões da autarquia, e não por sua "fragilidade estrutural".

A tese dessa suposta fragilidade é uma das conclusões da Operação Rodin, e não um de seus princípios investigativos. Logo, não faz sentido se afirmar que ambos, Flávio Vaz Neto e Carlos Ubiratan dos Santos, foram presos provisoriamente durante a referida Operação porque a autarquia que presidiram padecia de "fragilidade estrutural".

Não. Eles foram presos porque "grupos criminosos se apoderam de determinados contratos para (...) escoar recursos da autarquia".

Teria sido bastante estranho ter aberto algum jornal, em 07 de novembro de 2007, e lido que ambos foram presos por conta dessa peculiar fragilidade: - "Os senhores estão sendo presos por conta da fragilidade estrutural da autarquia que presidiram". Baita argumento.





Há menos sentido, ainda, em se defender a tese de que os presidentes que lhes sucederam também não duraram muito tempo no cargo em função dessa teoria da "fragilidade estrutural".

A menos, claro, que ela (A) seja um eufemismo para a expressão "grupos criminosos" que "se apoderam de determinados contratos para (...) escoar recursos da autarquia" (B). Que outra fragilidade seria essa, senão a própria ação dos referidos grupos?

Bem, mas aí teríamos um problema maior ainda, pois indiretamente estaríamos admitindo que recursos da autarquia continuam sendo "escoados", já que reconhecemos identidade entre A e B (A = B). A estaria por B, dito de outro modo.

Mas, se admitirmos tal tese, então também precisamos admitir, no mínimo, que o governo Yeda Crusius está sendo conivente com essa situação, uma vez que existem fortes suspeitas de que Sérgio Buchmann, seu último presidente, teria sofrido pressão de agentes governamentais "por não ter reconhecido uma suposta dívida da autarquia com a empresa de guinchos Atento", "desentendimento" que, como é público e notório, teria motivado a queda de sua antecesssora, Estella Maris Simon.

Sim, pois bem poucas coisas além de uma suposta dívida não reconhecida por seus dois últimos presidentes (C) - e La Vieja acredita que um homem que sacrifica seu interesse privado em nome do interesse público deve ter boas razões para não reconhecer uma dívida supostamente pública - poderiam ser identificadas com "escoar recursos da autarquia" (B). Como C é igual a B e B é igual a A, então A também é igual a C. A também eufemiza C, em outras palavras.





Entretanto, é evidente que a via interpretativa da teoria da "fragilidade estrutural" como eufemismo para a ação de "grupos criminosos" que "se apoderam de determinados contratos para (...) escoar recursos da autarquia" - e, por conseguinte, também como eufemismo para "supostas dívidas públicas não reconhecidas" - é fantasiosa.

A corrupção pública, ao menos no RS, é como que uma espécie de força da natureza. Se não, está prestes a ser naturalizada. Embora grupos criminosos guascas formados por homens de bem costumem se apoderar de contratos para escoar recursos públicos, o problema está na estrutura de nossa administração pública, frágil e suscetível a fraudes. Ela, a corrupção, como que brota dessas fragilidades e suscetibilidades; assim mesmo, despersonalizada e sem pai nem mãe, coitada.

Aliás, La Vieja não entende como homens de bem como aqueles que integram grupos criminosos guascas possam ser responsabilizados, se agem quase contra sua vontade. Eles estão ali, mateando despacitos e como quem não quer nada, zelando pelo bem público, até serem violentamente arrancados desse honesto idílio pelas irresistíveis suscetibilidades e fragilidades estruturais de nossa administração pública. Forças da natureza, só pode.

Erra o homem público gaúcho que, a exemplo de Sérgio Buchmann, nega-se a praticar um crime, ou com ele
compactuar. Buchmann, esse pária, deveria ter usado as informações privilegiadas que recebeu para livrar a cara de seu filho e, depois, como todo homem de bem, ter culpado a fragilidade estrutural de nossa administração pública, cujos apelos, como se sabe, são irresistíveis.





Essa, senhores, é a via interpretativa da razão, como tão bem nos ensina o jornal Zero Hora. Deixemos de lado, portanto, os eufemismos e as fantasias. Isso é coisa para quem associa uma ideia à outra; o que, como bem se sabe ao menos desde Aristóteles, não faz o menor sentido.

Portanto, os dois primeiros presidentes do Detran/RS não duraram muito tempo no cargo por desconhecerem a intensidade das forças naturais responsáveis pelas suscetibilidades e fragilidades estruturais de nossa administração pública - foram suas vítimas, portanto. Os dois que lhes sucederam, por sua vez, também não duraram muito porque, mesmo a conhecendo, erraram o alvo: combateram interesses humanos obscuros, ao invés de neutralizá-las.





"Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada,
Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença".

Poemas Completos de Alberto Caieiro (Poemas Inconjuntos, 1913-1915).
Poesia heterônima de Fernando Pessoa.





(A matéria de Zero Hora acima reproduzida foi retirada do Diário Gauche)

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